Veganismo é sobre os animais

 

 

Veganismo é sobre os animais

Evocar razões como saúde, meio ambiente ou sistemas políticos é um desrespeito perante seu sofrimento. Tais atitudes apenas mostram quão pouco os animais são considerados.

Samanta Luz, influencer e apresentadora, atingiu outros níveis de notoriedade nos últimos dias. O motivo? Ela se declarou ex-vegana, após dez anos ‘dedicada a causa’.

A apresentadora, em vídeos e posts no Instagram,  declarou que irá continuar seguindo uma dieta vegana, mas que no momento ‘não se identifica mais com o veganismo’ pois ele teria se tornado ‘branco e elitista’.

A apresentadora teria ficado irada com um selo de “Produto Vegano’ concedido a um miojo (macarrão instantâneo) da marca Nissei. Conforme a apresentadora, isso seria um absurdo, pois miojo é um produto industrializado e que faz mal à saúde humana. Tais características seriam ‘incompatíveis’ com o veganismo.

A influencer ainda afirmou que o termo ‘veganismo’ não faz mais sentido para ela, pois não foi um termo cunhado por ‘pessoas pretas’. Além disso, ela não quer ‘ser rotulada’, nem mesmo como vegana.

Focando exclusivamente das declarações feitas por Samanta, fica fácil compreender o motivo de sua suposta ira: ela, assim como muitas outras pessoas, possuem um entendimento equivocado do que é o veganismo.

A própria Samanta argumenta que veganismo não é uma mera dieta, e sim uma causa, para mais tarde contradizer-se, afirmando que veganismo é ‘um estilo de vida’. Ora, veganismo não é sobre saúde humana, sobre o meio ambiente, sobre as problemas causados pelo sistema político e econômico. Veganismo, enquanto luta antiespecista, é a luta contra a discriminação injustificada sofrida pelos animais não humanos. E aí incluem-se –mas não se limitam– a exploração animal.

Infelizmente, o termo veganismo está sendo cooptado por outras causas e usado como um fantoche apenas para trazer mais adeptos à essas causas. Causas como as lutas contra o racismo, contra o sexismo, contra a homofobia, contra a transfobia, contra a pobreza, contra a desigualdade social e a luta de classes são causas legítimas que possuem mérito próprio. Ninguém, em sã consciência, argumentaria que vivemos em um mundo onde todos recebem a igual consideração moral. Tais causas devem estar em pauta e devemos sim fazer todo o esforço possível para vivermos em um mundo melhor. E é exatamente disso que trata o veganismo: dar voz àqueles que não a possuem –ou que não possuem a voz ‘certa’ para que sejam ouvidos. Os animais, de longe, são os seres com as piores condições de vida nessa planeta, sejam eles domesticados ou selvagens.

Em suas declarações, a influencer comete o equívoco de confundir veganismo com identitarismo. Reclamar que um termo não é ‘preto’ não significa lutar contra o racismo. Quem quer lutar contra o racismo irá se engajar em causas que realmente mudarão a vida da população negra no Brasil: lutar contra a desigualdade social que assola o país é uma maneira muito mais honesta de diminuir a distância entre pretos e brancos que travar batalhas pífias e imaginárias contra ‘palavras de origem branca’. Se formos seguir a risca as orientações de Samanta, ficaremos sem palavras na Língua Portuguesa para nos comunicarmos. Qualquer palavra que algum dia foi usada contra alguma minoria deverá ser automaticamente banida, ou pior, criminalizada. Chegaremos ao mundo descrito por George Orwell em 1984 (um autor branco!) onde não existirão mais palavras ou conceitos, logo, não poderemos exprimir algo que não possui nome. Ora, só sabemos o que é racismo porque existem palavras como ‘racismo’, assim como sabemos o que é especismo porque sabemos o quão horrível é a vida da esmagadora maioria dos animais. Como sabemos disso? Por causa de expressões como ‘carne’ ao invés de ‘cadáver’. No caso do racismo, só sabemos identificar que existe tal situação exatamente pela análise de palavras dentro de determinado contexto. Se ‘neguinho’ é racista em uma situação, pode muito bem ser uma forma de apreço em outra. Ter que discutir essa questão tão básica em pleno século XXI é uma comprovação do retrocesso em que vivemos.

Caros veganos do mundo: o que importa é vocês serem veganos pela defesa dos animais. Argumentar qualquer outro benefício, como saúde, meio ambiente ou questões econômicas, é um desrespeito ao sofrimento incomensurável pelos animais. Como vocês se sentiriam se fosse defendido: vamos ser antirracistas pelo benefício econômico que isso trará? Ou: vamos defender os direitos de igualdade entre gêneros porque essa situação nos beneficiará no futuro? Se você acha tais defesas hediondas e desrespeitosas, mas não acha a defesa do veganismo pela saúde, pelo meio ambiente ou por um sistema econômico mais justo igualmente ofensiva, então sinto te informar, você é especista. Você só está defendendo as causas que mais lhe agradam e usando o veganismo para trazer mais pessoas para seu lado.

Não existe defesa ‘preta’ ou ‘branca’ dos animais, pois todos nós, enquanto seres humanos, exploramos e ignoramos os animais. Para o animal, pouco importa se quem o explora é um preto, um branco ou um marciano verde. Ele sofrerá da mesma forma, seja qual for a cor de seu algoz.