Especismo

26 de Agosto de 2023 é o 9º Dia Mundial pelo Fim do Especismo.
Mas você sabe o que é especismo?
Especismo é uma forma de discriminação (isto é, um tratamento desfavorável que é injusto) contra quem não pertence a determinada(s) espécie(s). É um termo criado para se fazer uma analogia com outras formas de discriminação, como o racismo e o sexismo. O especismo acontece toda vez que é dado um peso distinto a níveis de prejuízos e benefícios que são similares em membros de distintas espécies. Importante: as vítimas do especismo são os seres sencientes, e não as espécies.
A forma de especismo mais comum é o especismo antropocêntrico, que consiste em desfavorecer quem não pertence à espécie humana. Contudo, existem outras formas de especismo não antropocêntricas (como, por exemplo, dar uma consideração diferenciada aos interesses de animais não humanos dependendo de se nutrimos empatia ou não por tais animais, ou dependendo de se suas espécies estão ou não em extinção).
Um dos exemplos mais visíveis de prática especista é a exploração animal. Contudo, as práticas especistas não se resumem à exploração animal. Por exemplo, há quem rejeite a exploração animal, mas defenda que não devemos ajudar os animais não humanos quando são vítimas de processos naturais (doenças, fome, sede, parasitismo etc.) mas que é correto ajudar se as vítimas forem humanas. Essa atitude é especista porque dá peso distinto aos interesses similares dos membros de distintas espécies.
É importante também distinguir o especismo mesmo dos vários motivos que são endereçados para se tentar justificar o especismo (isto é, as defesas do especismo). O especismo não acontece somente quando a razão alegada para se dar um peso menor aos interesses de membros de certa(s) espécie(s) é o próprio pertencimento à(s) espécie(s) em questão (como acontece na defesa definicional do especismo antropocêntrico).
Outras  formas de defesa muito comuns do especismo antropocêntrico são alegar, por exemplo, que os animais não humanos carecem de certas capacidades (como razão, linguagem, capacidade de reivindicar seus direitos etc) ou de certas relações (como de solidariedade mútua, de poder sobre nós, relações políticas etc.).
O especismo está arraigado em nosso cotidiano. Muitas vezes é difícil perceber que estamos sendo especistas. Respeitar os seres sencientes não é uma questão de escolha ou preferência, mas em dever. Se fosse você quem fosse discriminado injustamente, você acharia aceitável?

Metas ambientalistas Vs Consideração moral dos animais não humanos

Metas ambientalistas Vs Consideração moral dos animais não humanos

Arthur Ghiraldini Genovez, formando em Ciências Biológias pela UFSC e ativista da causa animal, teve seu artigo intitulado ‘Metas ambientalistas Vs Consideração moral dos animais não humanos’ publicado na Revista Peri.

O  artigo analisa algumas objeções ambientalistas à proposta de reduzir/prevenir o sofrimento e as mortes dos animais selvagens em decorrência dos processos naturais (por exemplo, inanição, sede, acidentes, parasitismo etc.) por preocupação com o bem dos próprios indivíduos afetados.

É investigado se essas objeções ocorrem devido aos meios que a proposta de intervir na natureza para ajudar animais não humanos depende (por exemplo, meios tecnológicos) ou devido à meta defendida por essa proposta ser o bem dos próprios animais afetados, em vez de uma meta que seja ambientalista (por exemplo, preservar ecossistemas e espécies).

O autor defende a visão de que as objeções ocorrem devido à meta ser centrada na preocupação com o bem dos próprios animais e que o uso de tecnologia para intervir nos processos naturais já é amplamente aceito na prática pelos próprios ambientalistas. Também é discutido a maneira como o sofrimento e as mortes dos animais selvagens é utilizado como estratégia retórica para se alcançar metas ambientalistas.

O artigo ainda traz questões importantes, porém pouco discutidas dentro da defesa animal:  como as ações ambientalistas tendem a não coincidir com o bem dos animais que serão afetados por essas ações. Por fim, também são brevemente discutidas e refutadas objeções centradas em uma suposta preocupação com os prejuízos que poderiam ser causados aos animais selvagens caso humanos interviessem na natureza para tentar ajudá-los.

Um artigo imprescindível para qualquer pessoa que deseja se aprofundar na discussão sobre o especismo e defesa dos animais.

LEIA O ARTIGO NA ÍNTEGRA AQUI

 

 

Veganismo é sobre os animais

 

 

Veganismo é sobre os animais

Evocar razões como saúde, meio ambiente ou sistemas políticos é um desrespeito perante seu sofrimento. Tais atitudes apenas mostram quão pouco os animais são considerados.

Samanta Luz, influencer e apresentadora, atingiu outros níveis de notoriedade nos últimos dias. O motivo? Ela se declarou ex-vegana, após dez anos ‘dedicada a causa’.

A apresentadora, em vídeos e posts no Instagram,  declarou que irá continuar seguindo uma dieta vegana, mas que no momento ‘não se identifica mais com o veganismo’ pois ele teria se tornado ‘branco e elitista’.

A apresentadora teria ficado irada com um selo de “Produto Vegano’ concedido a um miojo (macarrão instantâneo) da marca Nissei. Conforme a apresentadora, isso seria um absurdo, pois miojo é um produto industrializado e que faz mal à saúde humana. Tais características seriam ‘incompatíveis’ com o veganismo.

A influencer ainda afirmou que o termo ‘veganismo’ não faz mais sentido para ela, pois não foi um termo cunhado por ‘pessoas pretas’. Além disso, ela não quer ‘ser rotulada’, nem mesmo como vegana.

Focando exclusivamente das declarações feitas por Samanta, fica fácil compreender o motivo de sua suposta ira: ela, assim como muitas outras pessoas, possuem um entendimento equivocado do que é o veganismo.

A própria Samanta argumenta que veganismo não é uma mera dieta, e sim uma causa, para mais tarde contradizer-se, afirmando que veganismo é ‘um estilo de vida’. Ora, veganismo não é sobre saúde humana, sobre o meio ambiente, sobre as problemas causados pelo sistema político e econômico. Veganismo, enquanto luta antiespecista, é a luta contra a discriminação injustificada sofrida pelos animais não humanos. E aí incluem-se –mas não se limitam– a exploração animal.

Infelizmente, o termo veganismo está sendo cooptado por outras causas e usado como um fantoche apenas para trazer mais adeptos à essas causas. Causas como as lutas contra o racismo, contra o sexismo, contra a homofobia, contra a transfobia, contra a pobreza, contra a desigualdade social e a luta de classes são causas legítimas que possuem mérito próprio. Ninguém, em sã consciência, argumentaria que vivemos em um mundo onde todos recebem a igual consideração moral. Tais causas devem estar em pauta e devemos sim fazer todo o esforço possível para vivermos em um mundo melhor. E é exatamente disso que trata o veganismo: dar voz àqueles que não a possuem –ou que não possuem a voz ‘certa’ para que sejam ouvidos. Os animais, de longe, são os seres com as piores condições de vida nessa planeta, sejam eles domesticados ou selvagens.

Em suas declarações, a influencer comete o equívoco de confundir veganismo com identitarismo. Reclamar que um termo não é ‘preto’ não significa lutar contra o racismo. Quem quer lutar contra o racismo irá se engajar em causas que realmente mudarão a vida da população negra no Brasil: lutar contra a desigualdade social que assola o país é uma maneira muito mais honesta de diminuir a distância entre pretos e brancos que travar batalhas pífias e imaginárias contra ‘palavras de origem branca’. Se formos seguir a risca as orientações de Samanta, ficaremos sem palavras na Língua Portuguesa para nos comunicarmos. Qualquer palavra que algum dia foi usada contra alguma minoria deverá ser automaticamente banida, ou pior, criminalizada. Chegaremos ao mundo descrito por George Orwell em 1984 (um autor branco!) onde não existirão mais palavras ou conceitos, logo, não poderemos exprimir algo que não possui nome. Ora, só sabemos o que é racismo porque existem palavras como ‘racismo’, assim como sabemos o que é especismo porque sabemos o quão horrível é a vida da esmagadora maioria dos animais. Como sabemos disso? Por causa de expressões como ‘carne’ ao invés de ‘cadáver’. No caso do racismo, só sabemos identificar que existe tal situação exatamente pela análise de palavras dentro de determinado contexto. Se ‘neguinho’ é racista em uma situação, pode muito bem ser uma forma de apreço em outra. Ter que discutir essa questão tão básica em pleno século XXI é uma comprovação do retrocesso em que vivemos.

Caros veganos do mundo: o que importa é vocês serem veganos pela defesa dos animais. Argumentar qualquer outro benefício, como saúde, meio ambiente ou questões econômicas, é um desrespeito ao sofrimento incomensurável pelos animais. Como vocês se sentiriam se fosse defendido: vamos ser antirracistas pelo benefício econômico que isso trará? Ou: vamos defender os direitos de igualdade entre gêneros porque essa situação nos beneficiará no futuro? Se você acha tais defesas hediondas e desrespeitosas, mas não acha a defesa do veganismo pela saúde, pelo meio ambiente ou por um sistema econômico mais justo igualmente ofensiva, então sinto te informar, você é especista. Você só está defendendo as causas que mais lhe agradam e usando o veganismo para trazer mais pessoas para seu lado.

Não existe defesa ‘preta’ ou ‘branca’ dos animais, pois todos nós, enquanto seres humanos, exploramos e ignoramos os animais. Para o animal, pouco importa se quem o explora é um preto, um branco ou um marciano verde. Ele sofrerá da mesma forma, seja qual for a cor de seu algoz.

Por que a senciência e não a vida?

 

Por que a senciência e não a vida?

 

            Luciano Carlos Cunha[1]

  Indira de Freitas Nimer[2]

 

 

Os seres sencientes são aqueles seres capazes de ter experiências. Possuem uma perspectiva de primeira pessoa – isto é, não são meros corpos vazios. Faz sentido perguntar: “como será que é ser um peixe?”. Por outro lado, não parece fazer sentido perguntar: “como será que é ser um sapato?”. Isso é assim porque o peixe é senciente e o sapato não é.

Por vezes é dito que respeitar todos os seres sencientes é apenas um primeiro passo, pois o ideal mesmo é respeitar tudo o que é vivo. A seguir apresentaremos algumas razões para defender que o critério da senciência é o critério adequado de consideração moral, e não o critério da vida.

Algumas pessoas adotam o critério da vida porque acreditam que a senciência diz respeito somente ao sofrimento. Essas pessoas afirmam que, se o que importasse fosse a senciência, e não a vida, então não haveria nada de errado em matar os animais, desde que de maneira indolor. No entanto, esse entendimento é equivocado. A senciência diz respeito a todas as experiências, não apenas as negativas. Portanto, o sofrimento não é a única forma pela qual os seres sencientes são prejudicados. A ausência de experiências positivas também caracteriza uma forma de prejuízo. É exatamente por essa razão que a morte é um dano. A morte prejudica alguém não porque faz com que perca sua vida biológica, mas porque impede que desfrute das experiências positivas que teria caso continuasse vivo. Tanto é assim que uma vida meramente biológica – sem possibilidade alguma de ter experiências ou de voltar a tê-las, nem mesmo sonhos ou pensamentos – seria exatamente o mesmo que morrer. Em resumo, a explicação de por que a morte é um dano depende exatamente da senciência.

Já outras pessoas pensam que o adequado é respeitar tudo o que é vivo porque acreditam que todas as coisas vivas não sencientes são passíveis de serem prejudicadas. Mas é difícil imaginar como isso seria possível. Em primeiro lugar, é a senciência que determina se certa entidade é alguém e não algo. É o que indica que se, naquele corpo, há alguém capaz de experimentar o mundo – isto é, que não é um corpo vazio. Coisas vivas não sencientes, por outro lado, são literalmente corpos vazios. Não há ninguém ali para sentir coisa alguma. Portanto, não há ali alguém que seria possível prejudicar ou beneficiar. Em segundo lugar, o fato de as experiências serem experimentadas como positivas ou negativas é o que torna possível que os seres sencientes sejam prejudicados ou beneficiados – é o que faz com que prefiram certas coisas em vez de outras. Novamente, é difícil imaginar como é possível organismos vivos não sencientes serem literalmente prejudicados. Já que não experimentam certas coisas como positivas e outras como negativas (pois não experimentam nada – não há alguém ali para experimentar as coisas), não possuem uma preferência por se encontrarem nesse ou naquele estado.

Outro problema com o critério da vida é que, além de considerar seres que não são passíveis de serem prejudicados, excluiria certos seres passíveis de serem prejudicados. Até o momento, todos os seres sencientes são também seres vivos (ainda que, como vimos, há muitos seres vivos que não são sencientes). Mas é possível que no futuro haja seres sencientes que não serão biológicos. Se a senciência aparecer toda vez que certas condições estiverem presentes (ainda que atualmente não se saiba ao certo quais são essas condições) então é possível que no futuro surjam seres sencientes em meios digitais. Por exemplo, a presença de um sistema nervoso com um órgão centralizador (como um cérebro, por exemplo) parece desempenhar uma função tal que cria as condições para o aparecimento da senciência. Mas, é possível que a senciência apareça toda vez que a matéria estiver organizada de modo a desempenhar a mesma função, independentemente do tipo de substrato em que acontece – e não apenas nos seres cujo corpo é feito de carbono (isto é, os seres vivos).

O ponto é: se pensarmos que devemos consideração moral apenas a entidades vivas, então não daremos consideração moral aos seres que, apesar de serem igualmente capazes de sofrer e desfrutar, não serão organismos biológicos. Seria feito a eles todas as coisas horríveis que são feitas atualmente aos animais não humanos. Por outro lado, se nossa preocupação for com todos os seres passíveis de serem prejudicados e beneficiados, então daremos a todos os seres sencientes o mesmo grau de consideração moral, independentemente de serem biológicos ou não biológicos. Isto é, se o que nos importa é evitar prejudicar e buscar beneficiar, então rejeitaremos não apenas o especismo, mas também o substratismo.

Por tudo o que foi apontado, se o que importa para saber quem devemos respeitar é saber quem é passível de ser prejudicado ou beneficiado, então parece que temos fortes razões para adotar o critério da senciência, e não o critério da vida.

 

 

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org

[2] Bacharelanda em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Contato: indiranimer.eticaanimal@gmail.com

 

Especismo e priorização de causas

Especismo e priorização de causas

Autor:

Luciano Carlos Cunha[1]

 

 

  1. A acusação de que defensores dos animais seriam especistas “anti-humanos”

 

Os defensores dos animais são frequentemente criticados por lutarem pelos animais não humanos enquanto há ainda humanos necessitando de ajuda. Essa crítica tradicionalmente era feita por quem defendia declaradamente uma posição antropocêntrica[2]. Entretanto, uma crítica similar por vezes tem sido feita por quem afirma dar igual consideração aos animais não humanos. Segundo essa nova crítica, os defensores dos animais estão justificados a lutar pelos animais, mas apenas se lutarem simultaneamente por causas humanas[3].

A partir da década de 1970 um número cada vez mais crescente de autores[4] questionou a pressuposição de que o bem dos humanos deveria ter um peso maior, observando o quão arbitrário é dar peso diferenciado a níveis equivalentes de prejuízos e benefícios, dependendo da espécie dos indivíduos. Foi então criado o conceito de especismo[5], para fazer uma analogia com o racismo. Rejeitar o especismo implica aceitar que a força das razões para evitar prejudicar e para buscar beneficiar deve depender da magnitude dos prejuízos e benefícios, e não da espécie dos afetados[6].

A forma mais comum de especismo é a antropocêntrica[7], que desfavorece quem não pertence à espécie humana. É por causa do especismo antropocêntrico que os animais não humanos são explorados para os mais diversos fins, onde geralmente levam uma vida de intenso sofrimento[8] e literalmente vários trilhões deles são mortos a cada ano mundialmente[9]. Esse é também o motivo pelo qual os animais não humanos normalmente não recebem ajuda quando afetados por processos naturais como fome, sede, doenças e desastres naturais[10] Em resumo, é devido ao especismo antropocêntrico que os animais não humanos passam por situações terríveis que jamais seriam consideradas aceitáveis se as vítimas fossem humanas.

Cada vez mais pessoas e grupos de ativismo têm se autoproclamado antiespecistas[11]. Entretanto, algumas dessas pessoas e grupos afirmam que têm se dedicado a combater o especismo dos próprios defensores dos animais. No entender dessas pessoas, os defensores dos animais seriam especistas “anti-humanos” por não se dedicarem simultaneamente para causas humanas[12]. Curiosamente, enquanto antes quem criticava os defensores dos animais com afirmações como “por que se preocupar com animais enquanto há humanos precisando de ajuda?” era quem defendida abertamente o antropocentrismo, agora quem faz uma crítica similar, afirmando que os defensores dos animais só podem defender os animais se também lutarem por causas humanas, são pessoas que afirmam que rejeitam o especismo.

Neste artigo defenderei que a acusação de que os defensores dos animais são especistas “anti-humanos” surge de um entendimento completamente equivocado do que é o especismo. Importante: o que defenderei não é que é impossível existir especismo “anti-humanos”, e sim, que se dedicar integralmente para a causa animal não é uma atitude desse tipo. Defenderei também que, para alguém considerar errado priorizar defender os animais não humanos, precisa ter uma postura especista antropocêntrica.

 

  1. Por que a acusação parte de um entendimento equivocado do que é especismo

 

A  acusação de que os defensores dos animais estariam a ser especistas “anti-humanos” por não se dedicarem simultaneamente a lutar por causas humanas surge de um entendimento equivocado do que é o especismo. O especismo é uma discriminação contra indivíduos, não contra causas. Alguém é especista se dá um peso maior ou menor a níveis de prejuízos e benefícios similares em indivíduos de espécies distintas. Isto é, rejeitar o especismo requer dar peso igual ao bem de cada ser senciente, independentemente de espécie. Entretanto, disso não se segue que todas as causas são igualmente importantes. Pelo contrário. Diferentes causas lidam com problemas que afetam quantidades de vítimas diferentes, que estão padecendo de sofrimentos de diferentes magnitudes, apresentam taxas de mortalidade diferentes, etc. Além disso as diferentes causas são causas negligenciadas em maior ou menor grau (seja em termos do número de ativistas, seja em termos da quantidade de recursos).

É por essa razão que quem se dedica integralmente para a causa animal não está a ser especista. Pelo contrário: como veremos nos próximos itens, é exatamente isso o que concluiríamos se não soubéssemos a espécie dos afetados. Imaginemos que rejeitamos o especismo e nos preocupamos em mesma medida com cada um dos seres sencientes afetados por nossa decisão. Em quais critérios poderíamos nos basear para escolher quais causas priorizar? Uma estrutura bastante utilizada nesse sentido é a que junta três critérios[13]: escala de dano (quanto mais grave o problema, maior a prioridade – normalmente medida em termos da quantidade de vítimas e da gravidade da situação das vítimas), grau de negligência (quanto mais negligenciado o problema, maior a prioridade) e grau de tratabilidade (quanto mais tratável, maior a prioridade). A seguir, avaliaremos o problema que a causa animal lida de acordo com esses critérios, comparando com a situação humana.

 

  1. A quantidade de vítimas

 

Contabilizando as mortes de vertebrados e invertebrados, terrestres e aquáticos, a exploração animal mata anualmente algo entre 9 e 25 trilhões de animais não humanos[14]. Observe que esse número diz respeito somente às mortes de animais na exploração. Não estão computadas as que são resultado indireto de atividades humanas nem as que resultam de doenças, sede, fome, desastres naturais etc. Já as mortes anuais de humanos (somando-se todas as causas, incluindo causas naturais) é estimada em 55,3 milhões[15]. A diferença entre esses números é tão gigantesca que a maioria de nós tem dificuldade em visualizá-la. Para efeito de argumentação, deixemos de lado a quantidade de invertebrados terrestres mortos e computemos apenas a quantidade de mamíferos, aves, peixes e outros animais aquáticos mortos anualmente: cerca de 3 trilhões[16]. Só essa quantia já significa que são mortos por dia mais de 8 bilhões de animais não humanos. Isto é: somente na exploração animal, por dia morre uma quantidade maior de animais não humanos do que a população humana mundial. Se adicionarmos os invertebrados terrestres, a quantia é gigantescamente maior.

Além disso, há as mortes de animais que vivem fora do controle direto humano (como os animais que estão na natureza). Esses animais por vezes sofrem e morrem por conta de fatores parcialmente antropogênicos, mas quantidades literalmente astronômicas desses animais possuem vidas repletas de sofrimento e morrem prematuramente já por conta dos próprios processos naturais (doenças, fome, sede, desastres naturais etc.)[17]. Um fator crucial para esse resultado é o fato de a maioria das espécies de animais se reproduzir maximizando a quantidade de filhotes, sendo que a vasta maioria morre logo após o nascimento. Em ninhadas que variam de milhares a milhões de filhotes (algo comum em anfíbios, répteis, peixes e invertebrados em geral), em populações estáveis a média de sobreviventes por ninhada é apenas de dois indivíduos. Todo o restante normalmente nasce apenas para experimentar sofrimento e morrer logo em seguida[18]. Não há estatísticas sobre essa quantidade de mortes mas sabe-se, por exemplo, que a quantidade total de animais sencientes na natureza em um dado momento está entre 1 e 10 quintilhões de indivíduos[19]. Isso significa que, se compararmos a população de animais não humanos com a população humana em um dado momento, e fizermos uma analogia com o período de um ano, a população humana representaria no máximo 0,25 segundos (todo o restante seriam animais não humanos).

 

  1. A gravidade da situação das vítimas

 

A vasta maioria dos animais não humanos nasce, ou na exploração animal ou na natureza. Em ambos os casos, a norma é nascerem para ter vidas repletas de sofrimento (em boa parte dos casos, sem nunca ter experiência positiva alguma) e para terem uma morte bastante prematura, geralmente extremamente dolorosa. É claro, existem humanos que têm vidas repletas de sofrimento, morrem prematuramente e que tem mortes muito dolorosas. Entretanto, a norma na vida humana não é que nasçam, por exemplo, sofrendo o que equivalente ao que sofrem os animais não humanos explorados ou que estão na natureza.

Peguemos como exemplo a situação dos animais usados para consumo[20]. As fazendas industriais estão organizadas para criar o maior número possível de animais no menor espaço possível e com o menor custo possível. A maioria dos animais não têm espaço algum para se mover. Muitos nem conseguem se virar. Vivem em pisos de concreto ou em grades, continuamente sobre os seus excrementos, o que lhes ocasiona várias doenças e ferimentos. As galinhas poedeiras, por exemplo, vivem amontoadas em gaiolas superlotadas, em um espaço do tamanho de uma folha de papel[21]. Permanecem de pé a vida inteira sobre os arames das gaiolas. Em alguns casos, seus pés ficam presos na malha metálica e, ao serem retiradas para serem encaminhadas ao matadouro, suas pernas quebram e uma parte delas é arrancada. Os frangos criados para a produção de carne foram geneticamente selecionados para crescerem muito rapidamente[22]. Suas pernas não suportam seu peso, o que lhes causa lesões e dor, sendo que vários nem conseguem ficar de pé. Dadas as condições de superlotação, nas fazendas as doenças podem se espalhar rapidamente, dando origem a epidemias. Quando isso acontece, é comum a matança em massa de animais, incluindo dos saudáveis, mesmo quando é possível tratá-los (pois isso é mais caro do que matá-los e substituí-los por novos). Isso geralmente é feito enterrando os animais vivos e cobrindo-os com cal virgem[23].

As porcas exploradas para fins de reprodução ficam quatro meses confinadas em minúsculas caixas de metal com piso de ripas. Elas não podem nem mesmo se virar, e só podem se deitar ou se levantar com grande dificuldade[24]. Seus músculos e articulações são gravemente lesionados e elas literalmente enlouquecem por nunca poderem se mover. Quando os leitões são desmamados (a partir de três semanas de idade) elas são novamente engravidadas e o ciclo recomeça até que tenham três anos, quando são então mortas.

As vacas só produzem leite após darem à luz. Por isso, são engravidadas continuamente, geralmente por inseminação artificial. Os produtores não querem que os bezerros bebam o leite, pois diminuiria os lucros. Então, mães e bebês são separados logo após o nascimento, o que é terrivelmente traumático para ambos, que choram e gritam por vários dias. As vacas são ordenhadas por 10 meses após serem separadas de seus  bebês. Depois são engravidadas novamente e o ciclo é repetido até que estejam completamente exaustas, e são então mortas.

Os bezerros usados para produzir “vitela” vivem em gaiolas minúsculas nas quais nem mesmo podem se virar. Suas cabeças são imobilizadas para que não possam exercitar seus músculos, com o objetivo de tornar sua carne o mais macia possível. Por isso, são alimentados com fórmulas com baixo teor nutricional, tornando-os tão fracos que nem mesmo conseguem andar quando são enviados para serem mortos[25]. Já os filhotes machos de galinhas poedeiras não são criados para serem comidos, pois não cresceriam tão rápido quanto aqueles selecionados para esse fim. São então jogados em uma máquina de trituração ou em uma lata de lixo, onde morrem asfixiados ou esmagados pelos outros filhotes jogados sobre deles.

As galinhas têm seus bicos cortados com lâminas quentes. Os leitões têm seus dentes arrancados e as caudas cortadas. Os bois e touros tem seus chifres serrados ou queimados com produtos cáusticos. Todos os mamíferos são marcados com ferros quentes e têm arrancados pedaços de seus corpos (como partes das orelhas). Tudo isso é feito sem analgésicos ou anestesia, pois custaria dinheiro sem aumento na produtividade.

No transporte até o matadouro, são colocados nos caminhões usando espetos, martelos e bastões que dão choques elétricos. As aves são içadas como se fossem coisas, geralmente segurando-as pelas pernas e jogando-as nas gaiolas, o que faz com que muitas vezes tenham pernas e ossos quebrados[26]. As condições de superlotação nos caminhões são piores até mesmo  do que nas fazendas. Além disso, são expostos ao calor ou frio extremos e não recebem nenhuma comida ou água, pois fazê-lo não seria lucrativo. Vários animais morrem antes de chegarem ao seu destino, o que mostra o quanto sofreram[27].

Chegando no abatedouro, recebem golpes com estacas para que se movam pelos corredores. Quando não conseguem andar, são arrastados com ganchos cravados em diferentes partes dos seus corpos, que por vezes rasgam essas partes. Além disso, podem ver e ouvir outros animais sendo mortos e sentir o cheiro de seu sangue. Depois de serem atordoados são acorrentados pelas pernas e içados do chão, o que por vezes quebra suas pernas. Entretanto, como as filas de animais nos matadouros precisam se mover rapidamente, esse processo é feito em alta velocidade, e então é comum que os animais não fiquem atordoados e estejam plenamente conscientes ao serem esfaqueados. Além disso, muitas vezes o esfaqueamento não os mata, e então são esquartejados, fatiados, tem a pele arrancada ou são fervidos enquanto ainda estão totalmente conscientes[28]. Esse destino aguarda todos os animais usados na alimentação, independentemente de terem sido criados em fazendas industriais ou em fazendas “de criação livre”.

Na pesca, o anzol perfura a boca ou outras partes do corpo e, ao arrastar o peixe para fora da água, puxa todo o peso de seu corpo, perfurando de modo cada vez mais profundo e rasgando cada vez mais a parte do corpo onde foi cravado[29]. As formas mais comuns pelas quais os animais pescados morrem são[30]: porque seus órgãos internos explodem devido à descompressão;  sufocamento; tendo seus corpos cortados enquanto ainda estão conscientes; esmagamento devido ao peso dos outros animais empilhados ou presos nas redes; golpes na cabeça; eletrocussão; hipotermia; envenenamento por dióxido de carbono ou um tiro na cabeça. Outros são cozidos vivos ou até mesmo comidos vivos[31].

Devido ao especismo antropocêntrico, isso é feito a bilhões de animais não humanos todos os dias e é considerado algo plenamente aceitável. Se não soubéssemos a que espécie pertencem as vítimas, certamente consideraríamos tal situação como sendo uma forte candidata a receber nossa prioridade. Somente o especismo antropocêntrico pode fazer alguém pensar que as pessoas que se dedicam a lutar contra esse tipo de horror devem ser repreendidas por não estarem, ao mesmo tempo, abordando outros problemas que possuem uma escala de dano muito menor e são muito menos negligenciados.

 

  1. Grau de negligência

 

A quantidade de pessoas se dedicando a cada causa e os recursos arrecadados não são proporcionais à escala de dano do problema que cada causa lida. Por exemplo, de todas as doações feitas nos Estados Unidos, 97% do montante arrecadado vai para causas humanas[32]. Os outros 3% restantes vão para causas ambientalistas e de defesa animal (e não se sabe o quanto desses 3% vai para a causa animal). Mesmo entre as pessoas que costumam doar para a causa animal, em média mais de dois terços de suas doações vão para causas humanas[33]. Como observado por Horta (2017, p. 187), existem pessoas que, apesar de serem veganas, acreditam que os humanos devem vir em primeiro lugar. Envolvem-se em causas humanas, mas não fazem nada (ou fazem muito menos) para defender os animais não humanos. Esse é um exemplo de uma atitude vinda de veganos, mas especista[34]. Em resumo, a luta pelos animais é muitíssimo mais negligenciada do que a luta pelos humanos, apesar de a causa animal lidar com um problema que possui uma escala de dano astronomicamente maior. Isso acontece justamente devido à predominância do especismo antropocêntrico. É por essa mesma razão que os humanos já recebem proteções que os animais não humanos não possuem de maneira alguma, há muito mais pessoas lutando por causas humanas e os recursos disponíveis para causas humanas são vastamente maiores[35]. Não é apenas que os animais não humanos recebem menos ajuda do que recebem os humanos: na vasta maioria dos casos não recebem ajuda alguma e, além disso, são literalmente massacrados como se fossem coisas. Isto é, dada a vigência do especismo antropocêntrico, nascer como membro da espécie humana é ser privilegiado, pois implica receber uma série de proteções; nascer como animal não humano é receber uma sentença de desgraça, pois normalmente implica viver uma vida de sofrimento intenso e ter uma morte bastante prematura.

 

  1. Tratabilidade

 

Poder-se-ia pensar que não há nada que se possa fazer para mudar a situação dos animais não humanos. Mas, isso não é verdade. Em relação aos animais explorados é possível escolher não consumi-los e reivindicar mudanças de atitude no público e na legislação com a meta de abolir esse uso[36]. Já em relação aos animais que estão na natureza, já existem programas de ajuda a animais selvagens, e muito mais poderia ser pesquisado nesse sentido. Exemplos são a vacinação de animais selvagens, ajuda a animais em desastres naturais, estudos sobre o impacto de cada tipo de vegetação nas taxas de nascimentos em espécies de animais que tendem a ter vidas predominantemente negativas ou positivas, ou simplesmente evitar intervenções que contribuem para que os processos naturais prejudiquem os animais[37].

 

  1. Escolhendo causas a partir de uma perspectiva não tendenciosa

 

Se não soubéssemos a que espécie pertencem os afetados por nossa decisão, defenderíamos uma altíssima prioridade da causa animal – não porque ela lida com animais não humanos, mas porque lida com um problema que tem uma escala de dano muitíssimo maior, é altamente tratável e é muito mais amplamente negligenciada[38]. É por essa razão que priorizar essa causa não é uma atitude especista. Pelo contrário: não priorizá-la é que é. Se somos antiespecistas ficaremos indignados é em saber que, devido a uma preferência por humanos, a vasta maioria das pessoas está priorizando causas que lidam com problemas que possuem uma escala de dano muito menor e são muito menos negligenciados.

Um experimento de pensamento ajudará a reforçar essa conclusão. Imagine que os papéis fossem invertidos, isto é, que os animais não humanos estivessem na situação em que se encontram os humanos, e que os humanos estivessem na terrível condição em que se encontram os animais não humanos. Imagine também que, nessa realidade alternativa, os animais já contariam com várias proteções que os humanos não possuiriam, e a causa animal já contaria com um número muito maior de adeptos e receberia uma quantidade muito maior de recursos. Imagine que nesse mundo fictício aquelas poucas pessoas que escolheram ajudar os humanos são acusadas de especismo. Essa acusação seria absurda, pois tais pessoas escolheram ajudá-los não por que são humanos, mas porque nesse mundo fictício os humanos estão em uma situação pior, são uma quantidade de vítimas muito maior, e são muito mais negligenciados. Quem seria especista, nesse mundo fictício, é quem escolhe não priorizar os humanos. Mas, se é assim, então em nosso mundo real priorizar causas humanas é ser especista, assim como é especista acusar de especismo quem prioriza a causa animal, pois condenaríamos tais atitudes se não soubéssemos a espécie dos afetados por essa decisão.

 

  1. Por que mesmo especistas antropocêntricos teriam que priorizar a causa animal

 

Suponhamos que um sofrimento de mesma magnitude importasse 10 vezes mais em humanos do que em animais não humanos. Isso significaria que, para investirmos em ajudar animais não humanos a mesma quantia de recursos que investiríamos em ajudar humanos, teria de haver 10 animais não humanos sofrendo o equivalente (ou então, um único animal não humano sofrendo 10 vezes mais).

Suponhamos agora que a quantidade anual de animais não humanos que passassem por uma situação do sofrimento extremo fosse muito menor do que realmente é: suponhamos que fosse “apenas” um trilhão indivíduos. Imaginemos que a quantidade anual de humanos padecendo de um sofrimento equivalente àquele do qual padecem os animais não humanos fosse muito maior do que realmente é: suponhamos fosse o total da população humana (isto é 7,9 bilhões de indivíduos[39]). Se o sofrimento humano importasse 10 vezes mais do que o sofrimento equivalente de animais não humanos, então, o sofrimento dos 7,9 bilhões de humanos seria multiplicado por 10 (isto é, equivaleria ao sofrimento de 79 bilhões de animais não humanos). O sofrimento de cada animal não humano, por sua vez, seria multiplicado por 1 (isto é, 1 trilhão). Mesmo fazendo todas essas concessões, ainda teríamos de investir 12,65 vezes mais recursos em ajudar os animais não humanos.

Se levarmos em conta os números reais, a proporção é astronomicamente maior. A população mundial de humanos gira em torno de 7,9 bilhões. Já a população mundial de animais não humanos sencientes gira em torno de 1 a 10 quintilhões[40]. Isto é, para cada humano existe algo entre 126 milhões a 1,26 bilhões de animais não humanos sencientes. Vimos que a imensa maioria dos animais não humanos (seja os que nascem na exploração, seja os que nascem na natureza) vivem vidas repletas de sofrimento. Além disso, por mais que seja muito ruim a situação de muitos humanos, a situação da imensa maioria dos animais não humanos é geralmente muito pior do que a situação da maioria dos humanos.

Assim, levando em conta a situação real, para se negar a prioridade de melhorar a situação dos animais não humanos teria que ser postulado que o sofrimento de humanos importa pelo menos 126 milhões de vezes mais do que o sofrimento equivalente de animais não humanos. Mas isso é completamente absurdo. Aliás, de um ponto de vista não tendencioso, não há sequer justificativa para se dar um peso levemente maior ao bem dos humanos: sofrimentos equivalentes precisam receber o mesmo peso.

Poderia ser objetado que não importa o número de vítimas, nem a gravidade da situação de cada vítima, e nem o grau de negligência: cada um está justificado a lutar pela causa que bem entender, ou mesmo não lutar por causa nenhuma. Essa é certamente uma posição altamente questionável. Mas, mesmo que fosse uma posição plausível, observe o que ela implica: que seus adeptos não tem nenhum motivo para criticar quem luta pelos animais por não se dedicarem também para causas humanas.

Em resumo, seja lá que posição adotemos, a crítica aos defensores dos animais não se sustenta. Se rejeitamos o especismo e damos igual peso ao bem de cada ser senciente, segue-se a prioridade da causa animal, pois é o que concluiríamos se não soubéssemos a espécie dos afetados. Se, por outro lado, damos um peso muito maior ao bem dos humanos, também segue-se a prioridade da causa animal, dada a escala de dano astronomicamente maior. Por fim, se afirmamos que cada um está justificado a escolher a causa que bem entender, então não há razão para criticar os defensores dos animais por não lutarem por causas humanas.

 

  1. Por que a acusação é ela própria especista antropocêntrica

 

É de se admirar que pessoas que se dizem antiespecistas estejam a focar em criticar quem se dedica integralmente a defender os animais, quando é justamente o especismo antropocêntrico a razão pela qual uma quantidade astronômica de seres sencientes têm vidas repletas de sofrimento extremo e morrem prematuramente.

É interessante observar que normalmente apenas os defensores dos animais são cobrados a defenderem causas humanas. Aqueles que se dedicam somente a causas humanas normalmente não são acusados de especismo por não lutarem pelos animais não humanos (acusação que, nesse caso, faria sentido, já que estão negligenciando aquele problema que dariam prioridade se não soubessem a espécie das vítimas). Aliás, quem se dedica a determinada causa humana não é cobrado a lutar por outras causas humanas – isso é cobrado especificamente dos defensores dos animais. Cobram das pouquíssimas pessoas que se dedicam ao problema com maior escala de dano e mais negligenciado, que passem a se dedicar para outros problemas com escalas de dano muito menores e muito menos negligenciados, só porque as vítimas desses outros problemas são humanas. Essa atitude, sim, certamente é especista. Aliás, mesmo quem não se dedica a causa alguma dificilmente recebe o mesmo tipo de crítica que recebem os defensores dos animais. Novamente, esse é um exemplo gritante de especismo, pois revela que no entender de quem faz a crítica, ajudar os animais é pior do que não ajudar ninguém.

Além disso, se o foco da crítica são os defensores dos animais por não estarem lutando por causas humanas, isso dá a entender não apenas que os ativistas de causas humanas (e mesmo quem não luta por causa alguma) não fazem nada de errado ao não defenderem os animais: dá a entender também que não fazem nada de errado ao prejudicarem os animais (consumindo-os, por exemplo). Apenas o especismo pode explicar essa disparidade de cobranças. Isso tudo sugere fortemente que a acusação de especismo que fazem sobre os defensores dos animais é simplesmente uma forma de expressar o seu próprio especismo.

 

  1. Conclusão

 

Dado o que vimos, a acusação de que os ativistas da causa animal estariam a ser especistas “anti-humanos” por não se dedicarem simultaneamente à causas humanas é apenas uma variação da visão antropocêntrica que afirma que ninguém deve lutar pelos animais enquanto houver humanos precisando de ajuda. Trata-se de uma variação, pois reconhece que é correto lutar pelos animais, mas apenas se simultaneamente luta-se pelos humanos (mesmo que os humanos já sejam considerados em maior grau, estejam em muito menor número de vítimas, estejam em uma situação muito melhor, já recebam ajuda de uma quantidade imensamente maior de pessoas, mesmo que as causas humanas já recebam muito mais recursos etc.). Obviamente, é essa visão que é especista, pois privilegia tendenciosamente os humanos.

Enquanto a afirmação de que não deve-se lutar pelos animais enquanto houver humanos necessitados surge normalmente de pessoas que se auto declaram antropocêntricas, a acusação de que os defensores dos animais seriam especistas “anti-humanos” surge por parte de pessoas que afirmam rejeitar o especismo (apesar de, como vimos, defenderem igualmente o especismo antropocêntrico). Isso parece mostrar que a estratégia para defender atitudes antropocêntricas mudou. Antes, os defensores do antropocentrismo assim se declaravam, e argumentavam a favor do mesmo. À medida que o antropocentrismo foi cada vez mais sendo reconhecido como injustificável (isto é, que é forma de especismo), seus defensores passaram a dizer que rejeitam o especismo para acusar aqueles que realmente rejeitam o especismo de serem especistas anti-humanos. Independentemente de isso ser feito devido a não terem entendido o que significa ser especista, ou com o propósito deliberado de confundir o público, o resultado é o mesmo.

Essa nova estratégia é mais difícil de ser percebida, pois o interlocutor se apresenta como antiespecista. Além disso, apesar de envolver uma distorção gigantesca dos conceitos de especismo e antiespecismo, como são conceitos ainda pouco conhecidos, há um risco de o público em geral pensar que rejeitar o especismo significa ser especista antropocêntrico. As pessoas que realmente rejeitam o especismo deveriam começar a prestar atenção nessa estratégia pois, para combatê-la, primeiro é necessário perceber que ela existe.

 

REFERÊNCIAS

 

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WEEKS, C. A.; BUTTERWORTH, A. Measuring and auditing broiler welfare. Wallingford: CABI, 2004.

 

[1] Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, coordenador geral das atividades da Ética Animal no Brasil (www.animal-ethics.org/pt). Contato: luciano.cunha@animal-ethics.org

[2] Ver por exemplo a posição de Carruthers (1992).

[3] Ver por exemplo a posição de Souza (2016a, 2016b, 2017a, 2017b, 2020a, 2020b).

[4] Para uma lista, ver O’donnell (1993).

[5] Sobre a definição de especismo e a história desse conceito, ver Horta (2010a).

[6] Sobre essas implicações, ver Cunha (2021a, p. 57-69).

[7] Existem também formas de especismo não antropocêntricas, que constroem degraus de estatura moral entre os animais não humanos. Sobre isso, ver Dunayer (2004, p. 2-4), Horta (2010a, p. 258) e Cunha (2021a, p. 28-30).

[8] Para uma descrição das várias formas pelas quais sofrem os animais explorados, ver Horta (2017, p. 65-98).

[9] Para estatísticas, ver Our World in Data (2018), Fishcount (2019), Sanders (2018), Schukraft (2019) e Rowe (2020, 2021a, 2021b).

[10]Sobre a situação dos animais selvagens, ver Animal Ethics (2020) e Cunha (2022).

[11] Uma busca no Instagram (www.instagram.com) em 19 de setembro 2022 apresentou os seguintes resultados para os termos a seguir (em termos do número de publicações): 133.040 para “#antiespecismo”, 35.422 para “#antiespecista”, 64.170 para “#antispeciesism” 7.009 para “#antispeciesist”.

[12] Por exemplo, Souza (2020a), em uma crítica ao que chama de “veganismo tradicional” afirma que o mesmo “defende que os veganos lutem unicamente pelos animais não humanos, ao ponto de hierarquizar as lutas colocando a antiespecista como superior às contra outras opressões”. No lugar disso, o autor propõe “que as pessoas lutem, na medida do possível para cada uma delas, tanto contra o especismo quanto contra outras formas de opressão”. O autor defende a mesma posição também em Souza (2016a, 2017b).

[13] Sobre essa estrutura, ver EA Concepts (2016) e Cunha (2021, p. 193-228).

[14] Para estatísticas sobre a exploração de invertebrados terrestres, ver Schukraft (2019) e Rowe (2020, 2021a, 2021b). Sobre a exploração de vertebrados e invertebrados aquáticos, ver ver Fishcount (2019). Sobre vertebrados terrestres, ver Our World in Data (2018) e   Sanders (2018),

[15] Estatísticas disponíveis em: https://www.worldometers.info/. Acesso em: 26 out. 2022.

[16] Estatísticas disponíveis em Our World in Data (2018) e em Fishcount (2019).

[17] Sobre isso, ver Animal Ethics (2020, p. 9-59) e Cunha (2022, p. 19-34).

[18] Sobre esse ponto, ver Horta (2010b) e Cunha (2022, p. 28-34).

[19] Ver National Museum of Natural History & Smithsonian Institution (2008) e Tomasik (2019).

[20] Exceto se indicado, a descrição da situação dos animais explorados foi retirada de Horta (2017, p. 65-97)

[21] Appleby e Hughes (1991); European Food Safety Authority (2005).

[22] Weeks e Butterworth (2004); Bessei (2006).

[23] Antena3 (2011); Gayle, D. (2013).

[24] Marchant-Forde (2008).

[25] Van Putten (1982) Le Neindre, P. (1993).

[26] L214 (2009, 2010).

[27] Mitchell (1992); Broom (2003); Averos et. al. (2007).

[28] Warrick (2001); Pitney (2016).

[29] Cooke e Sneddon (2007).

[30] Robb e Kestin (2002).

[31] Robb e Kestin, Ibid.

[32] Kateman (2021).

[33] Anderson (2018, p. 9).

[34] Há veganos que são contrários até mesmo a fazer comparações (em termos de importância moral) da consideração devida a animais humanos e não humanos (por exemplo, são contrários a afirmar que o especismo é tão reprovável quanto o racismo). Por exemplo, Santos, Souza e Nierdele (2021, p. 295) descrevem a posição defendida por um grupo de ativismo vegano: “essa equiparação legitimaria, mesmo que sutilmente, a inferiorização das pessoas negras”. Para outros exemplos de um posicionamento contrário a comparar as discriminações sofridas por animais não humanos e humanos com base na alegação de que isso seria inferiorizar os humanos, ver Souza (2016b, 2017a, 2020b). Para uma defesa da posição contrária, isto é, de que o especismo não é menos injusto do que discriminações contra humanos, ver Cunha (2021b).

[35] Além disso, boa parte dos recursos destinados à causas humanas são utilizados na compra de produtos de origem animal, o que contribui para o aumento da quantidade de animais que sofrem e morrem.

[36] Aqui é possível ver uma análise sobre estratégias possíveis para a causa animal: https://www.sentienceinstitute.org/foundational-questions-summaries

[37] Sobre formas de ajudá-los e o que mais poderia ser pesquisado nesse sentido, ver Animal Ethics (2020, p. 60-85, 136-182; ); Faria e Horta (2020) e Cunha (2022, cap. 8.2 e 9.4).

[38] Exatamente com base nesses três critérios, a Giving What We Can, organização especializada em recomendar doações eficientes, recomenda a causa animal como uma das prioridades mais altas. Ver https://www.givingwhatwecan.org/cause-areas

[39] https://www.worldometers.info/. Acesso em: 26 out. 2022.

[40] Ver Tomasik (2019).

CONSIDERAÇÃO PELOS ANIMAIS VS AMBIENTALISMO: QUAL O TAMANHO DA DIVERGÊNCIA?

Nos últimos anos, tem-se mostrado urgente debater temas há muito relegados ao segundo plano na Filosofia e no Direito, como a problemática envolvendo a utilização dos animais pelo ser humano. Com debatedores e palestrantes nacionais e internacionais, a temática que envolve os animais não humanos para essa proposta de evento não é por acaso, mas decorre de uma série de acontecimentos, que resultam em transformações sociais recentes nas relações interespécies.

Esse painel irá discutir as divergências entre ambientalismo e Ética Animal. Existe uma série de posições ambientalistas que se opõem a conceder igual respeito a todos os seres sencientes. O raciocínio usado para justificar esses pontos de vista pode variar amplamente pois as perspectivas ambientalistas discordam sobre que componentes do mundo natural devem ser mais considerados moralmente e assim dignos de respeito. Alguns pontos de vista reivindicam que ecossistemas, em vez de seres sencientes, devem ser respeitados; outros reivindicam que espécies, em vez de indivíduos, devem ser considerados.

 

Participe! O evento é gratuito!

Confira a programação do evento aqui

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Qualquer dúvida, entre em contato conosco: observatorio.antiespecista@gmail.com

 

 

 

Especismo e Política – Uma breve análise sobre declarações na campanha de Lula*

 

*O presente texto foi escrito por um colaborador do Observatório Antiespecista. O site Observatório Antiespecista apoia integralmente as declarações aqui feitas e convida você a compartilhar esse apelo. Compartilhe com sua família, em suas redes sociais, mande esse texto para seu deputado. Vamos fazer a diferença! Por uma sociedade sem especismo!

 

 

Olá, caro brasileiro!

Sou eleitor do Lula, de esquerda, estudante de filosofia e estou fazendo todo o possível (em meu pequeno círculo social) para derrotarmos Bolsonaro e a direita.

Todavia, gostaria de fazer uma crítica que considero importante – na verdade crucial – sobre declarações insistentes e preocupantes feitas pelo candidato Lula – a quem admiro e reconheço sua boa índole quando o assunto é o melhor para os brasileiros.

O ser humano é imperfeito por natureza. Muitas vezes podemos nos enganar -ainda mais quando o assunto a priori parece ser somente de cunho pessoal- mas quando bem analisado, é conjectural sobre todos nós.

Lula falou repetidamente sobre seu gosto por churrasco. Muitas dessas declarações foram metafóricas, ou seja, Lula quis dizer que todos os brasileiros possam voltar não apenas a fazer três refeições ao dia, mas que possam se alimentar bem, voltando a desfrutar dos prazeres básicos da vida. Não é a isso que me refiro: gostaria de fazer uma crítica construtiva sobre o insistente reforço do churrasco e os ‘bois em confinamento’ -um grande equívoco conceitual, quando pensado coletivamente.

Defensores do ambientalismo deveriam repudiar o confinamento de gado, já que tal prática traz o pior resultado possível para o meio ambiente. O confinamento de animais já provou ser um completo desastre, pois gera uma quantidade gigantesca de resíduos, metano e contaminação dos lençóis freáticos. Qualquer visão séria e estratégica jamais defenderia esse modelo de produção.

Muito se fala em produção “sustentável” – e não há nada mais insustentável- economicamente, ambientalmente e eticamente – que a produção que se utiliza dos animais enquanto meros recursos. A alienação e reificação com que tratamos não somente a nós mesmos, mas sobretudo os animais, gera uma quantidade gigantesca de sofrimento. Os animais sofrem de maneira descomunal, sendo tratados como objetos que nada sentem; meros recursos que servem unicamente para satisfazer propósitos humanos.

Para piorar o quadro, qual é a reprodução social que melhor exibe a visão conservadora da sociedade? A pecuária e o agronegócio. Nesse meio, a única motivação é o capital, sendo que nada mais importa – tudo e todos são meros meios para acumulação e concentração ainda maior do capital.

É essa “elite” que Lula elogiou. Essas mesmas pessoas estão depositando seu apoio quase que incondicional em Bolsonaro. Caso não seja impedido, Bolsonaro seguirá destruindo tudo ao seu redor, devastando o país a fim de beneficiar seus apoiadores do agronegócio.

No sentido inverso, qual luta pode realmente modificar essa mentalidade? O antiespecismo. Essa sim é uma luta progressista, que desafia a reificação de maneira enérgica, trazendo para o debate não somente esse modelo de produção absurdo, mas os valores que nos fazem cada vez menos solidários e mais indiferentes à dor do outro -principalmente dos animais, a quem negamos até mesmo a capacidade de sentir em prol da manutenção de um sistema que transforma esses indivíduos em escravos.

Poderia falar por dias a fio sobre os já comprovados benefícios de uma dieta vegana para a saúde. Poderia também discorrer sobre como uma sociedade majoritariamente vegana aliviaria de maneira significativa o SUS, já que uma melhor alimentação implicaria em uma quantidade muito menor de ocorrências envolvendo problemas crônicos de saúde – e até mesmo de certas doenças. Poderia também evocar a questão econômica, já que uma alimentação à base de proteínas vegetais é absurdamente mais barata -basicamente são grãos- e exige uma quantidade muitíssimo menor de recursos.

Poderia também colocar na mesa a questão política, pois todos sabemos como o capitalismo é um sistema totalmente irracional, gerando absurdos como:

– 1 kg de carne precisa de cerca de 15.400 LITROS de água para ser produzida;  (1 kg de açúcar: 1.782 litros de água; 1 kg de arroz:  2.497 mil litros de água)

– A Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um alerta sobre a pecuária ser o setor que mais polui as águas do mundo de maneira irreversível;

– Que a Amazônia está sendo devastada muita gente sabe, mas já te contaram que 91% do seu desmatamento é causado pela pecuária, segundo dados do IBGE? (o debate não é sobre PECUÁRIA INTENSIVA X PECUÁRIA “VERDE”) mas sobre a PECUÁRIA EM SI.

Mas a verdade é que esses dados, embora sejam todos verdadeiros, importam apenas de forma marginal. O principal problema com as declarações do candidato Lula reside no fato de que tais falas reforçam a ideia de que animais são coisas que existem apenas para servir aos nossos interesses. Os animais não humanos são diariamente, constantemente vilipendiados. Não é que seu sofrimento é negado; é muito pior que isso: tal discurso nega aos animais não humanos o reconhecimento de que são capazes de sentir – sofrer e desfrutar. Ao retirar a capacidade de sentir, tudo que resta é “alguma coisa”, não “alguém”. Não precisamos nos preocupar com o bem estar de “alguma coisa”. Não precisamos ter consideração moral para com “alguma coisa”. “Alguma coisa” pode ser usada e manipulada da maneira que quisermos, para atingir qualquer propósito, pois “alguma coisa” não sente, não sofre, não é um indivíduo. Negar o status de “alguém” aos animais não humanos é a maneira mais eficiente – e também a mais chula, a mais baixa- de manter o status quo às custas do sofrimento deles. Transformar “alguém” em “coisa” significa disseminar a indiferença, transformando o absurdo, o abominável, o grotesco em “um mal necessário”, “aceitável” ou até mesmo “em um bem”.

Poderia trazer muitos mais argumentos, estudos e informações. Mas o objetivo aqui é apenas que tal questão seja levada ao candidato Lula e seus assessores. Não estou fazendo disso um debate PESSOAL ou MORAL -embora também o seja, já que estamos falando da desconsideração moral, seja parcial ou total, de um número esmagador de indivíduos sencientes. No presente momento, a maior urgência é demonstrar que as declarações proferidas por Lula ajudam na validação de uma realidade horrenda, onde tudo que existe é dor e sofrimento. Repensar tais declarações é um passo não apenas importante, mas necessário para um BRASIL E UM MUNDO MELHOR. O antiespecismo é apenas mais uma das causas da esquerda mas, infelizmente, com esse discurso, Lula está ajudando justamente aqueles que estão do outro lado da luta. Um mundo construído às custas do sofrimento dos animais não será um mundo melhor. Pelo contrário: se naturalizarmos a noção de que certos indivíduos são melhores que outros, tudo que seremos capazes de produzir é horror e sofrimento de uma maioria que sustenta as benesses de uma minoria.

O especismo é uma opressão tão disseminada e tão fortemente naturalizada que dar o primeiro passo para combatê-lo é tão urgente quanto difícil. Como a questão da exploração animal já está posta, podemos muito bem começar por ela -embora o especismo se estenda para muito além do horizonte da exploração animal. Poderíamos pleitear investimentos em proteínas vegetais -hoje existem tecnologias capazes de reproduzir qualquer sabor: peixe, frango, carne, atum, etc.  

 

 Faço um APELO, por favor pensem nisso.

 Abraços e juntos pelo 13

 

Insetos são sencientes

 

Os insetos estão entre os grupos mais abundantes de animais terrestres. Devido a isso, qualquer visão preocupada com a consideração moral dos seres sencientes, especialmente dos que se encontram na natureza, precisa prestar muita atenção à situação desses animais. A senciência dos insetos é objeto de investigação científica em andamento, e há algumas evidências importantes de que eles são sencientes, porque possuem habilidades sensoriais e sistemas nervosos altamente desenvolvidos. Em geral, os insetos vivem vidas complexas e ativas para as quais a senciência pode ser adaptativa. Alguns insetos também mostram um comportamento complexo, como a dança-linguagem das abelhas. Isso sugere que seus cérebros também podem dar suporte à senciência. Se, como essas evidências indicam, eles são sencientes, e, dada a relevância da senciência, seus números absolutos os tornam muito importantes em nossas decisões sobre como melhorar a situação dos animais.

Compreender os fatores atuais e correlatos da abundância de insetos pode ser útil na comparação de diferentes situações em relação à quantidade total de sofrimento dos insetos presente (ou possível) nelas. Consequentemente, também pode ser útil para prever ou medir as consequências de ações que poderíamos tomar que poderiam ser benéficas ou prejudiciais para eles.

O estudo de populações de insetos também pode ser relevante para o estudo do bem-estar de outros animais em diferentes ecossistemas, porque as populações de insetos podem afetar significativamente as outras populações de animais que vivem no mesmo ecossistema. Mas, a principal maneira pela qual os insetos podem contribuir negativa ou positivamente para os níveis gerais de bem-estar em um ecossistema é bastante direta: através de seus próprios níveis de sofrimento ou bem-estar positivo.

O século 20 viu o surgimento de novas formas de criar e matar um número gigantesco de vertebrados com o desenvolvimento das fazendas industriais (primeiro, para animais terrestres, como aves e mamíferos – galinhas e frangos, porcos e vacas – e mais tarde para animais aquáticos como muitas espécies de peixes).
Este século está testemunhando o surgimento de novas formas de criar e matar um número enorme de invertebrados. Isso está acontecendo por meio da expansão da pecuária industrial para a produção de insetos para produtos alimentícios.

 

Fontes:

https://www.animal-ethics.org

https://www.bbc.com

Sacrifício de animais é assassinato, não liberdade religiosa

Torturar e matar um animal seguindo uma determinada liturgia não é liberdade religiosa. É a garantia de legitimidade para a tortura e o assassinato. Dito de outra forma: a liberdade religiosa não pode ser usada como um “passe livre” para que a discriminação e a injustiça ocorram sem nenhum tipo de cerceamento.
Infelizmente, há um número cada vez maior de ativistas da causa animal que defendem o uso de animais em rituais religiosos, por acharem que não devem interferir na “liberdade do exercício religioso”.
Esses ativistas não levam em conta o interesse em não sofrer e o interesse em viver do animal. Se aquele que é sacrificado fosse um ser humano, ainda aceitaríamos o argumento da liberdade religiosa? Acharíamos legítimo torturar e matar um ser humano para cumprir certas liturgias religiosas?
Se formos honestos, a resposta será “não”. Logo, tratar os animais não humanos de maneira diferente ou desfavorável, sendo que sua capacidade de sofrer e de serem prejudicados é igual a nossa, é uma forma de discriminá-los.